Por René António Cordeiro - Membro da Ordem dos Economistas nº 56
Inspira-me Eduardo Catroga na sua dissertação pela homenagem que a OE lhe prestou ao atribuir-lhe o título de Economista Emérito.
Abre o homenageado a sua alocução citando Ortega y Gasset, filósofo também da minha estima: “Eu sou eu e a minha circunstância e, se não a salvo a ela, não me salvo a mim”. O que significa, “buscar o sentido do que nos rodeia”. E a referência do sentido é o objectivo.
1. Eu e a Circunstância
Eu – o que sou: com a educação que assimilei; a instrução que absorvi; o entendimento que desenvolvi (num processo de estruturação intelectual e conceptual que me levaram a compreender que os conceitos naturais são simples e não se alteram – como exemplo: a geografia é conceito natural; a geopolítica é conceito artificial); os valores, morais e materiais, que defendo – e a circunstância que me envolve, ou que acontece, pelo que devo considerá-la. Filtrando a minha adesão a ela pelo meu eu: o que devo fazer? Aproveito-a? Rejeito-a? “Não a vejo”? Critico-a, explicando o que nela serve, e não serve? Esta a questão que deve ser respondida porque é a que faz mais sentido na busca do sentido do que nos rodeia. E, o que nos rodeia é uma amálgama de medidas socializantes (concretizadas, com consistente utilização das ferramentas de marketing pelo que a moldura da democracia, com o seu sufrágio universal no âmbito de uma sociedade com um caleidoscópio de adesões e inclinações ideológicas e desejos que se pretendem satisfazer, permite), promovendo a igualdade tout court dos indivíduos e a estatização da economia, com a sua consequente dependência face a um Estado central mais executor do que regulador/garante, impulsionador (das condições positivas no sentido de que propiciem o desenvolvimento económico, causa do desenvolvimento social) e vigilante do cumprimento de regras; e de medidas liberalizantes, utilizando as mesmas ferramentas, nos âmbitos financeiro e social, baseadas naquela mesma igualdade e que agradam como consequência do “valor” liberdades abundantemente fomentado.
Como nos esclarece Martin Wolf (em The Crisis of Democratic Capitalism) ao identificar vários efeitos do processo de liberalização, “de que o pressuposto prevalecente era que a livre procura do interesse próprio é suficiente: mas não é”. Porque fazer o que se quer, promovendo legislação que o permita, não é liberdade – é licença. Nesta linha, é vital para a liberdade em democracia que aquela não progrida – o que implica o exercício de forte autoridade (democraticamente consentida, exigida) como condição de sobrevivência da própria democracia. Sendo neste contexto possível implementar as condições que promovam o desenvolvimento económico almejado. Este autor define a financialização como um termo horrível para caracterizar o impacto crescente da actividade financeira nas últimas décadas – consequência da rápida liberalização da actividade (conducente à sua crescente expansão e à complexidade dos produtos financeiros) reforçada pelo desenvolvimento acelerado das tecnologias de comunicação e informação. Esta financialização produz duvidosos benefícios ao desempenho económico – p0rque, designadamente, as finanças deixaram de ser seu instrumento mesmo (porque) promovendo o incontinente consumo por via da dívida – conduzindo a crises sociais sistemáticas.
Esta circunstância objectiva, sem que o objectivo seja explicitado, a (ou conduz à) promoção de efeitos – uma sociedade em que a regra é minimizada; o Estado, e a dependência dele, por diversas vias, maximizado (na medida do possível democraticamente); o mérito (de facto, não no discurso) secundarizado; o facilitismo (a atitude de promoção da execução do que quer que seja, e da vida, sem esforço) – que, necessariamente contrariam a exigência, o rigor imprescindíveis ao método para produzir resultados coerentes.
2. Resultados coerentes com quê?
Com o que Eduardo Catroga afirma “no sentido que deve(m) alinhar-se com a visão estratégica decorrente do facto de o País ter optado por uma economia de mercado, integrada na UE e na Zona Euro, donde resulta que deve ser competitiva na economia global e socialmente inclusiva. E reconhecer-se que a convergência no nível de vida e nos indicadores sociais com os países mais desenvolvidos (convergência social) exige a produção de mais riqueza e uma maior eficiência redistributiva das funções sociais do Estado” (convergência económica).
O que implica a consistência de resultados a produzir num contexto eminentemente concorrencial (independentemente da integração do país na UE e na ZE) que exigiria, parece-me, rigor na acção, exigência dos actores, método para orientar a busca, recolha e organização da informação pertinente àquela necessária e condução firme da rota. Isto é, a visão estratégica para o país acima transcrita implica o estabelecimento de objectivos quantificados e conhecidos para um horizonte temporal mais longo do que as legislaturas – e estas, pelo que se conhece em cada uma, não explicitam objectivos e as necessárias afectação de meios e implementação de condições que os tornem efectiváveis, bem como não explicitam o modelo de avaliação dos resultados produzidos. Assim, a avaliação não é sistematizada e, quando a circunstância recomende, pode ser feita pontualmente com argumentação conveniente, de acordo com as circunstâncias. E, também, porque a prossecução de objectivos exige sempre o adiamento de (alguma) gratificação que a sociedade parece não querer, nem parece querer-se prepará-la para tal. Portanto, temos aquilo para que trabalhamos e para que somos governados.
Da exposição de Eduardo Catroga retenho ainda o seu acquis do pensamento estratégico permanente como economista, que comungo: “(i) a criação de riqueza, ou seja, o aumento do valor da produção de bens e serviços, é a via para o crescimento e para o desenvolvimento económico e social; (ii) as empresas são as células-base da actividade económica, a fonte da criação da riqueza e do emprego; (iii) a competitividade de um país exige uma visão sistémica de um conjunto de factores estruturais sobre os quais há que actuar; (iv) a prosperidade de uma Nação é determinada, em última análise, pela competitividade das suas empresas; (v) a capacidade competitiva nacional é determinante da produtividade, ou seja, do valor da produção por unidade de trabalho ou de capital investido; (vi) a produtividade é a base da prosperidade de uma nação, pois é ela que determina, em última análise, o rendimento das famílias e das empresas e, logo, das receitas do Estado; (vii) ao fim e ao cabo, é a produtividade (como fonte de crescimento e da prosperidade) que garante a sustentabilidade do próprio Estado Social, uma conquista civilizacional das economias e sociedades europeias avançadas”.
Mas este acquis deve ter em consideração, parece-me, três circunstâncias presentes:
a) a globalização, que corrói a lealdade que era normal as empresas (e os indivíduos) terem relativamente às nações de que eram originais (recorde-se «o paradoxo da globalização» e o trilema de Dani Rodrik);
b) os impérios, que procuram afastar os indivíduos e as sociedades dos valores nacionais, substituindo-os por valores ultranacionais (imperiais) através de benefícios soporíferos, do comércio, da cultura e da língua e;
c) a premente necessidade, nunca satisfeita, de as empresas se dotarem de capital com origem nas poupanças dos portugueses, assim também promovendo o reforço da necessária profissionalização da sua gestão, credibilizando-a estrategicamente. A propósito desta última circunstância é de realçar que o investimento público é importante por ser infra-estrutural. Mas é o investimento privado que é determinante para o desenvolvimento económico do país por ser o que potencia a produção das empresas, a distribuição dos seus frutos e que melhor contribui para a repartição dos rendimentos, cabendo às empresas saberem atrair aquelas poupanças e às associações de empregadores sensibilizá-las nesse sentido. Pertencendo ao estado a responsabilidade de estabelecer condições que tornem o mercado de capitais acessível às poupanças nacionais.
E uma circunstância menos presente por prejudicada pela prevalência (factual ou tendencial) daquelas três: o comércio internacional (entre nações) satisfaz as necessidades dos indivíduos e das sociedades através de tratados comerciais que suportam essa satisfação.
E retiro, ainda, por verificação frequente, uma conclusão de uma circunstância de importância certamente menor para muitos: o tempo consumido nas sucessivas mensagens de texto por via telefónica para resolver um assunto/esclarecer uma dúvida/obter uma resposta/confirmar ou combinar algo é maior do que o gasto num único contacto telefónico para obter o mesmo resultado. Donde, menor produtividade por unidade de tempo.
3. Caracterização da circunstância
Mas a caracterização genérica da circunstância acima feita e que se poderá resumir pelo desejo de termos, em simultâneo, “sol na eira e chuva no nabal”, não favorece a realização das considerações e condições claramente expressas neste acquis. Porque o provérbio releva, para além da impossibilidade, a falta de clareza que hoje domina a sociedade para que tudo seja possível, confundindo conceitos como os da natureza, da história, da sociedade e do indivíduo (homem, mulher) para, como nos recorda Ortega y Gasset (em La Rebelión de las Masas), “A política apressa-se a apagar as luzes para que todos estes gatos sejam pardos”. E o instrumento já não são as ferramentas do marketing – é o sofisma. Mas a clareza, recordo, é condição fundamental quando se fala (com seriedade e consistência) de estratégia: o que deve ser feito para prosseguir o objectivo estabelecido. Porque este acquis implica a coerência dos já referidos resultados. E, estes, a produzir, considerando a visão estratégica exposta por Eduardo Catroga, devem ser previamente quantificados por referência a indicadores conhecidos, para que os resultados produzidos possam vir a ser verificados para avaliar a eficácia da acção que os produziu. Apresentei, em Março de 2010, em texto sob o título O Desempenho Económico de Portugal e a Competitividade das suas Empresas, uma abordagem sobre o que fazer. E, para contornar as dificuldades levantadas pela circunstância apresentei, em Março de 2023, num texto intitulado Observações & Questões com Implicações no Crescimento da Economia um contributo, de que extraio um trecho: “… De outro modo, a sociedade tem de decidir o que pretende da economia como promotor do seu desenvolvimento. Porque o desenvolvimento económico exige adiamento da gratificação. E este só acontece se a evolução da sociedade o promover, se a dependência da dívida para consumo deixar de preponderar. E se a organização do Estado estabelecer soluções democráticas para promoção (do equilíbrio) do desenvolvimento económico no todo nacional como, por exemplo, a instituição de uma segunda câmara constituída por representantes das regiões naturais do país, eleitos uninominalmente com representação inversamente proporcional às respectivas populações.” Porque, ainda, o que deve ser feito exige o estabelecimento de uma Linha de Orientação de Dimensão/Crescimento: Dimensão (nas suas diversas componentes qualitativas e quantitativas) para o Crescimento possível (no Horizonte Temporal estabelecido), ou Crescimento para a Dimensão existente, e projectada, para o mesmo Horizonte Temporal. Assim não sendo, o país não é por si conduzido, mas deixa-se conduzir pelo que outros ou o “destino” determinarem.
4. Conclusão
Uma coisa é certa: a prossecução de objectivo de desenvolvimento económico nacional claro exige uma circunstância que envolva (mobilize) a sociedade, possibilitando e animando o esforço dos condutores e dos actores da acção pertinente. Porque, como o termo prossecução esclarece, o objectivo almejado (para ser realizado) tem de ser alvejado: só assim é possível maximizar a probabilidade de sucesso da prossecução.
PS: Ouvi na rádio uma notícia que transmitia a pretensão do partido socialista de “abrir conversações” sobre o recrutamento de estrangeiros para colmatar a falta de efectivos nas Forças Armadas de Portugal. Ora, esta possibilidade nem devia ser abordada: não estamos a falar de contratar jogadores de football, mas de indivíduos a quem se pediria, presumo, que “jurassem a bandeira portuguesa”! A solução (nacional e civicamente natural) para a circunstância encontra-se na reintrodução do que nunca devia ter deixado de existir: o serviço militar obrigatório.
Esta circunstância de escassez de recursos é uma clara evidência das circunstâncias que podem ser evitadas. E exemplifica claramente circunstâncias que podem ser positivamente exploradas.
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