Por René António Cordeiro - Membro da Ordem dos Economistas nº 56
O tema é sensível porque é visto normalmente pelo lado das emoções que nos conduzem às conquistas irreversíveis, aos direitos alienáveis, sem curarmos das provas que temos de assegurar para que tal aconteça.
Mas isso não deve impedir-nos de procurarmos observar a evolução dos eventos, dos factos, pelo ângulo da racionalidade – que permite a decisão pelos ingredientes que ela exige: o estabelecimento do) objectivo e os critérios para a sua prossecução que conduzirão aos planos por que a opção política opte. Então, há que considerar, sempre, o horizonte temporal: a decisão é para prazo longo, indefinido – que condições devem ser asseguradas, considerando que planos e programas com prazos definidos têm de ser elaborados e executados para que a opção seja viável? –, ou é para prazo definido (mas nem sempre revelado, curto prazo que é o que corresponde ao desejo, ao sonho) em que as condições vão sendo “arranjadas”?
Porque é esta perspectiva de racionalidade que procura analisar causas de situações e as soluções de que estas careçam. E que nos permite compreender incoerências entre objectivos desejados e a capacidade de os realizar. Porque é a racionalidade que faz planos com vista à programação de acções, de medidas necessárias.
Porque os povos pretendem segurança e prosperidade. E estas não acontecem artificialmente, mas pelo mérito de comportamentos, de acções, de medidas. Mérito que tem por referência o objectivo que se pretende prosseguir e com o qual deve ser coerente. Porque aquelas duas pretensões têm de ser sustentadas e sustentáveis. E a sustentabilidade exige a clarificação das condições necessárias. Clarificação que conduzirá à (mais fácil) aceitação e efectivação dessas condições. Porque tal é condição para a vitalidade dos povos.
Como bem sabemos, do estabelecimento de objectivos decorre a identificação dos critérios que presidirão à sua prossecução. Metodologicamente, estes critérios devem incluir os resultados que se pretende sejam produzidos, aqueles que se deseja evitar, os recursos a preservar e os recursos a despender. E, frequentemente, é necessário fazer a análise do risco envolvido.
Vêm estas considerações a propósito do que me conta pessoa amiga após visita ao Butão e do Relatório Beveridge de 1942 que, inspirado no seguro de doença criado por Bismark cerca de oitenta anos antes, lançou as bases do Estado Providência (Bem-estar). Nele, o economista identificava os “cinco males” (the five giants) para os quais o Estado (sociedade politicamente organizada) deveria assegurar a protecção dos cidadãos: doença, miséria, ignorância, inactividade/ociosidade e necessidade/desejo.
Como o bom senso indica, esta protecção exige que o Estado assegure e propicie as condições que a possibilitem. Desde logo, seguramente, o desenvolvimento económico da comunidade abrangida pela protecção – particularmente no que se refere à necessária produtividade dos factores, à competitividade dos agentes económicos e à eficiência da burocracia pública – desenvolvimento que, a seguir, possibilitará a desejável equitativa repartição de rendimentos.
Mas exige, também seguramente, como atrás referido, a coerência entre o objectivo a prosseguir e as acções, as medidas e os comportamentos deliberados dos cidadãos a proteger. Porque aqueles males levantam questões que exigem, para serem eficazmente combatidos, critérios decorrentes do objectivo estabelecido. Se juntarmos, apenas, a manutenção da população – com a natural variação do seu equilíbrio geracional interno –; as variações (dos tipos) de doença; e a necessidade de crescimento da capacidade da actividade económica (para evitar a inactividade/ociosidade) encontramos ingredientes que aconselham a que se estabeleçam critérios consequentes com o objectivo eleito.
Concretamente: as sociedades democráticas liberais – na sua essência individualistas, mas algumas tão dependentes do Estado… – elegem a liberdade como a sua trave mestra: o objectivo principal a proteger. Liberdade que conduz às liberdades que cada indivíduo entende gozar. Ora, haverá liberdades que colocam em risco a protecção pretendida pelo Estado Providência na medida em que lhe impõem custos que põem em causa o objectivo da protecção. É aqui que entra o que me conta o amigo que visitou o Butão (país democrático – monarquia constitucional): neste país, a saúde é gratuita. Mas é proibido fumar (sendo, naturalmente, a venda de tabaco proibida). Racionalidade da medida: para assegurar a protecção gratuita da saúde, o Estado proíbe o gozo consciente, deliberado, de uma liberdade individual que põe em causa a sustentabilidade do objectivo da protecção da comunidade.
O que conduz, nas sociedades democráticas liberais, à incoerência entre o objectivo do Estado Providência e o gozo de liberdades individuais que põem em causa a sua prossecução. Haveria coerência se o objectivo fosse a liberdade (o gozo de liberdades individuais) e não existisse o Estado Providência (pelo menos no âmbito em causa: a saúde).
No Butão, existe coerência entre o objectivo – saúde gratuita – e as condições (pelo menos a referida) para assegurar a sua prossecução.
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