Por René António Cordeiro - Membro da Ordem dos Economistas nº 56
Bismark terá declarado em discurso no Reichstag “ que nunca se mente tanto como antes das eleições, durante uma guerra, depois de uma caçada”.
Num mundo em que as noticias falsas (mentiras) se espalham com uma progressão incontrolada, e aparentemente incontrolável pela facilidade com que todos podemos ser seus produtores pela utilização de ferramental tecnológico massificado e porque a disponibilidade de recursos técnicos torna imprevisível o desenvolvimento de resultados da sua aplicação, mesmo da parte dos projectistas da sua utilização, aquela afirmação é vista com um sorriso compreensivo de concordância.
Logo, a inverdade cresce como instrumento privilegiado de conteúdos de informação em que o que parece é mais importante, ou mais divertido, do que a substância. Sendo a realidade o que é (a água molha, o fogo queima), ela vai assim sendo subvertida por argumentos de que a realidade é construível, em que a esperança toma o lugar do objectivo.
Interpretemos o conteúdo da afirmação de Bismark:
i) Mentir depois da caçada, satisfará o ego do caçador porque conta como falhou aquela peça de caça, como acertou e o cão não conseguiu encontrar… enfim, como diz que caçou mais do que na realidade aconteceu;
ii) Mentir durante a guerra pretenderá enganar o inimigo, esconder debilidades, sobrevalorizar forças, entreter aliados (se necessário, por qualquer motivo… se o público doméstico…, se a sorte da guerra assim o aconselhar…);
iii) Mentir antes das eleições é mentir a quem queremos que nos eleja – o eleitor –, para o representar, o conduzir, para o servir, dizendo-lhe que faremos o que sabemos não irmos fazer. Tal significa levar o eleitor a permitir-se ser enganado.
Logo, o eleitor deve prevenir-se!
Se tivermos em consideração esta interpretação, teremos outro entendimento da afirmação em causa. Assumiremos outra atitude perante quem nos mente. Contribuiremos para uma redução de mentirosos, não nos deixando seduzir sem a exigência do critério da lucidez, que exige disponibilidade de informação credível e dirigida, reflectindo sobre a regra da boa gestão, do bom governo: que despesas correntes para que receitas correntes? Ou, que receitas correntes para que despesas correntes? Aqui entra, como critério corrente de escolha, a ideologia, misturada com a (necessária e compreendida) necessidade de prometer. Mas existe uma alternativa prévia a este critério corrente com evidentes vantagens sociais, carecendo apenas de ser bem explicada (com base na informação credível e dirigida): o estabelecimento de objectivos claros que – porque esclarecendo o que deve ser feito, devem incluir a expressão da probabilidade da sua concretização, pela demonstração da probabilidade, devendo indicar as razões do seu estabelecimento e as consequências da concretização – satisfazem necessidades ou obrigações presentes não prejudicando, não dificultando, desejavelmente promovendo o desenvolvimento económico garante da satisfação de necessidades e obrigações futuras, desenvolvimento económico que deveria ser o objectivo mãe transversal que daria sentido àqueles outros objectivos, sem o que a sustentabilidade de todas as coberturas socias estará ameaçada, dependendo de dinheiro emprestado com os riscos inerentes e as consequências conhecidas.
A propósito da referida regra da boa gestão, do bom governo, traduzo uma passagem de uma citação de Drucker em livro que publiquei em 2021: “A Gestão por Objectivos diz a um gestor/governante o que deve fazer. A forma de organização da sua responsabilidade capacita-o para o efeito. Mas é o espirito da organização que determina se o fará. É o espirito que motiva, que convoca as reservas humanas de dedicação e esforço, que decide se ele dará o seu melhor ou se fará apenas o necessário para ir andando”.
PS 1. A propósito da frequentemente propalada «ética republicana», se bem me lembro, a origem e o exemplo da expressão é do Cônsul Brutus, na república romana, não da nossa república, sem prejuízo das abordagens teóricas ao tema produzidas, designadamente, por Teófilo Braga.
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