Por Alfredo Vicente Pereira - Membro da Ordem dos Economistas nº 2336
Neste particular momento, em que poucos são os vivos que viveram uma crise como a actual, importa tomar a iniciativa de partilhar ideias e participar nas discussões sobre de que forma podem as instituições e a sociedade em geral responder aos desafios que se colocam.
Numa anterior reflexão (Emissão de DÃvida - Covid – 1 de Abril) manifestei algumas reservas sobre a injecção de massa monetária na economia, que o BCE está a prosseguir, através do sistema bancário.
O sistema bancário deverá ter como função a transferência de fundos entre os aforradores e os investidores. Nesse sentido dificilmente se enquadra numa lógica de intermediário entre o banco central e o Estado que necessita de financiar a dÃvida pública. A intermediação do sistema bancário nesta função promove o aumento da ineficiência e, sobretudo, o aumento dos custos para os contribuintes. Não porque não considere necessário um sistema bancário, mas porque considero que o sistema bancário, tal como existe em Portugal, é um sistema ineficiente e parasitário. Vive das comissões que cobra aos cidadãos e instituições que lhe entregam as suas economias com as quais realizam ganhos que não partilham.
Em alternativa, o Governo pode financiar a dÃvida pública por emissão de dÃvida pública no mercado de retalho, através de certificados de aforro ou certificados de tesouro acessÃveis ao público em geral. Esta é uma opção pouco utilizada e apontada pelos especialistas por ser muito volátil, tornando difÃcil a gestão da dÃvida pública. Contudo, foi utilizada na última crise soberana permitindo garantir, no seu pico, cerca de 11% do financiamento do total da dÃvida, decrescendo depois, atingindo 15% em 2016, que se mantém.
Ainda que continue a defender a utilização mais abrangente do mercado de retalho, a importância do BCE continuar as injeções monetárias mantém-se. Atualmente estas injeções procedem-se através das LTRO III e do PEPP. Através destes dois instrumentos, o BCE canaliza fundos ilimitados para os bancos comprarem dÃvida pública que depois é recomprada pelo BCE. Os fundos que o BCE oferece, a prémio, aos bancos para estes emprestarem à s empresas e ao Estado, a taxas de juro de 2 e 3%, deveriam ser canalizados directamente para o Estado para que este pudesse ajudar, de modo selectivo, as empresas e cidadãos que precisam.
Alguns colegas têm defendido os bancos, em particular os seus lucros, como uma virtude do sistema. Fico-me pela perplexidade, canalizando as energias para defender novos métodos de resposta aos problemas novos. Prefiro continuar a expor ideias de soluções mais do que a rebater velhas e gastas receitas, seja de uma banca parasitária, que não apoia a economia portuguesa, seja de mais impostos sobre os cidadãos.
Neste sentido, insisto em defender que o BCE ou os bancos centrais nacionais devem financiar directamente os Estados. No caso Português, financiando directamente o Tesouro, com a mesma taxa que aplica ao sistema bancário, nos montantes necessários e equivalentes aos danos causados pela doença. Trata-se de considerar os Estados, nesta circunstância especial, como actor do mercado monetário. Alguns se oporão por razões diversas. Contudo, defendo esta resposta, pois não se trata de financiar projectos, deste ou daquele governo, mas de financiar a sociedade para que esta possa resistir a este fenómeno da natureza. Esta medida reforçaria também a capacidade e independência dos Estados face aos mercados e limitaria a discricionariedade destes em emprestar quando mais lhe convém ou de impor as suas condições para uso dos fundos.
Que sentido fazem os apoios que a CE ou o MEE estão a discutir? Estão os responsáveis polÃticos a gastar tempo a discutir as condições de uso das fontes de financiamento disponÃveis? Numa analogia, nestas circunstâncias evitamos que nem os médicos tenham de escolher quem tentam salvar, mas os responsáveis polÃticos internacionais pretendem fazer as escolhas de que sectors salvar, optando por salvar apenas o sector bancário. Querem discutir se gastamos o dinheiro a apoiar as pessoas que não têm recursos para sobreviver porque não podem trabalhar por imposição colectiva? A discussão irá terminar quando? Quando as pessoas morrerem? E depois ainda vão discutir com os vivos como têm de lhes pagar o que emprestaram?
As soluções antigas não prestam! Os cronistas habituais já estão a discutir como os Estados devem cobrar aos cidadãos para pagar as dÃvidas contraÃdas neste tempo de dificuldade. Em linguagem popular diria que é preciso descaramento. Ainda não emprestaram o dinheiro e já discutem que regras querem impor para o receber de volta e bem remunerado!
A crise obriga a defender a democracia e a solidariedade e isso passa por discutir novos modos de funcionar sem depender exclusivamente dos sacrossantos mercados. Os mercadores não tomarão a iniciativa, nem isso lhes compete, de financiar, senão a crise, pelo menos a retoma, evitando novos custos para as populações. Bastaria uma pequenÃssima taxa sobre as transacções em bolsa (nas diversas bolsas espalhadas pelo mundo) para financiar os mais necessitados a nÃvel mundial.
A ideia de os Bancos Centrais poderem emprestar directamente aos governos é sem dúvida uma rotura com as regras vigentes. Contudo, as regras foram criadas em situações distintas da actual e por isso precisam de ser adaptadas para responder a um problema novo.
Trata-se de emprestar os montantes equivalentes às perdas decorrentes da paragem económica e aos custos adicionais necessários ao funcionamento dos sistemas de saúde na resposta à pandemia.
Emprestar directamente aos Estados é mais económico e mais eficiente. Creio que o Banco de Inglaterra irá adoptar uma medida semelhante. Então porque não adoptar o procedimento? E que consequência isso terá para os paÃses da área euro se não houver uma resposta institucional compatÃvel com as necessidades e sem condicionalismos sobre independência dos Estados quanto à decisão de como utilizar os recursos?