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Jean Baptiste Say e a Escassez de Bens

Atualizado: 28 de abr. de 2020


Por Pedro Almeida Jorge - Membro da Ordem dos Economistas nº 15846


Nesta minha primeira contribuição para o presente Blog, gostaria de trazer à discussão um tema que, enquanto economista, sinto que não tem vindo a obter a devida cobertura e esclarecimento da parte da nossa profissão durante estes tempos de crise e emergência. É um dos temas de que há mais tempo a ciência económica se orgulha de ter conseguido explicar e elucidar, coincidindo até talvez com uma das suas primordiais motivações no que respeita à vocação para a compreensão dos fenómenos do mercado e, por conseguinte, também dos efeitos resultantes das intervenções alegadamente "correctivas" que, ao longo de milénios, os governos e as sociedades nele tentaram introduzir.

Refiro-me ao tema do controlo e tabelamento de preços, bem como aos fantasmas de "especulação" que vamos vendo nos jornais e que, infelizmente, só em raras ocasiões tenho visto devidamente debatido no espaço público. Sem prejuízo do maior "appeal" político e social do tema quente das últimas semanas relativo à resposta Europeia para esta crise, parece-me, seguindo o Prémio Nobel Friedrich Hayek (1), que o papel do economista deveria continuar a ser, principalmente, o de expor os resultados frios e estabelecidos da nossa ciência, mesmo quando possam ser impopulares e aparentemente prejudiciais à simpatia que a nossa profissão merece do público, e não tão predominantemente a discussão de temas que, quer queiramos admitir ou não, têm principalmente um cariz político. Assim sendo, arrogando-me apenas à iniciativa de trazer o tema a público e não à pretensão de me substituir, nesta fase, à explicação que as melhores mentes da nossa ciência vieram fazendo ao longo de séculos, decidi traduzir alguns breves parágrafos do famoso Tratado de Economia Política de Jean Baptiste Say (1767-1832), onde o autor clarificou este tema, mostrando assim o quão remotas no tempo são já as boas explicações sobre os efeitos do controlo de preços na ordem social do mercado.

Muito para além de ter brilhantemente exposto a famosa "lei dos mercados" ou "lei de Say", que J.M. Keynes, um século depois (2), viria algo desonestamente a resumir como "a oferta cria a sua própria procura" (um excelente tema para futuro artigo), Jean Baptiste Say trouxe inúmeras contribuições à nossa ciência, tendo-se afirmando como, muito provavelmente, o principal economista da Europa Continental durante grande parte do séc. XIX. No primeiro capítulo do segundo livro da 4.ª edição (1819) do Tratado (3), Say esclarece que: «Quando uma lei fixa o preço de qualquer bem abaixo dos custos de produção, a produção interrompe-se, porque ninguém está disposto a trabalhar por uma perda; aqueles que viviam deste ramo de produção morrerão de fome, se não encontrarem outro emprego; e aqueles que poderiam pagar o produto ao seu preço natural são obrigados a passar sem ele. Ao se estabelecer um tabelamento ou um maximum, está-se a suprimir uma parte da produção e uma parte do consumo, o que é o mesmo que dizer, uma parte da prosperidade social, que consiste na produção e no consumo.


«Mesmo os produtos já existentes não são consumidos de uma maneira adequada. Em primeiro lugar, porque o proprietário os subtrai, tanto quanto possível, à oferta. Em segundo lugar, porque o produto deixa de ir para onde há mais necessidade, para passar a ir para onde há mais avidez, astúcia e desonestidade; e muitas vezes com o mais cruel desrespeito pelos mais comuns direitos da equidade natural e da humanidade. Se ocorrer uma escassez de cereais, o preço do trigo aumenta; no entanto, continua a ser possível que o trabalhador, ao redobrar os seus esforços, ou ao aumentar os seus salários, possa adquirir os meios para o comprar. Entretanto, o magistrado tabela o trigo a metade do seu preço natural; qual é a consequência? Um outro consumidor, que já se tinha abastecido a si próprio e que, consequentemente, não teria comprado mais milho se este fosse deixado ao seu preço natural, ganha a dianteira ao trabalhador e consegue obter, por precaução e para tirar partido dos preços baixos, a parte do trabalhador, que leva junto com a sua. Um obtém dupla provisão, o outro nenhuma. A venda deixa de ser regulada de acordo com as necessidades e as faculdades, para o ser de acordo com a agilidade.


«Não é, portanto, de admirar que os tabelamentos dos alimentos agravem a escassez. «Uma lei que fixe o preço dos produtos ao nível a que estes naturalmente se fixariam, não serve para nada, a não ser para inquietar o espírito dos produtores e dos consumidores e, consequentemente, para desvirtuar as proporções naturais entre a produção e as necessidades; proporções essas que, se deixadas a si mesmas, estabelecem-se invariavelmente da forma mais favorável quer a uma, quer às outras.» Afigurando-se, sem qualquer dúvida, pertinentes para a explicação e descrição de certos fenómenos que temos presenciado no nosso país, bem como noutros cantos do mundo afligidos por esta ou por análogas crises (nem sempre fisiologicamente motivadas...), permito-me acrescentar às considerações precedentes que, para que os efeitos descritos ocorram, não será estritamente necessário que uma lei efetivamente sancione e estabeleça um preço máximo para um certo produto, mas sim que os agentes económicos tenham a expectativa que uma tal lei possa entrar em vigor e ser de facto aplicada na prática, ou até mesmo que a mera perceção social da moralidade da subida dos preços possa levar a perdas reputacionais consideráveis aos agentes económicos que decidam trazer os produtos para o mercado a preços mais elevados. Nesse sentido, é com vista à educação da opinião pública e à defesa da urgente necessidade de eficiente funcionamento dos mercados, em especial nestes tempos de crise, que apelo aos colegas para dedicarem parte da vossa influência pública a esta impopular, mas fraturante temática. (1) - ver Friedrich Hayek, "On Being an Economist", disponível em https://mises.org/wire/being-economist (2) - ver J.M. Keynes, The General Theory of Employment, Interest and Money, chapter 2, section VI. (3) - original disponível em https://numelyo.bm-lyon.fr/f_view/BML:BML_00GOO0100137001102782583/IMG00000028# , pg. 18. Tradução inglesa disponível em: https://oll.libertyfund.org/titles/say-a-treatise-on-political-economy

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