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Mas as crianças, Senhor?


Por Jorge Fonseca de Almeida - Membro da Ordem dos Economistas nº 1083


Quero hoje recordar alguns versos do triste e sentido poema Balada da Neve de Augusto Gil, escrito na primeira década do século XX mas que, mais de um século volvido, continua atual.

Mas as crianças, Senhor,

Porque lhes dais tanta dor?!

Porque padecem assim?!


Hoje as crianças padecem e morrem em Gaza sob uma chuva ininterrupta de bombas lançadas por Israel. Muitas destas crianças morrem atingidas pelo fósforo branco usado em algumas bombas, uma substância que queima perfurando, corroendo a carne e os órgãos, causando um sofrimento atroz.


Peter Singer, o grande filósofo australiano, professor na Universidade de Princeton nos Estados Unidos, especializado em Ética defende, com razão, que se virmos uma criança a morrer afogada numa fonte e não entrarmos na água para a resgatar com medo de estragar os sapatos ou molhar as calças cometemos um ato desumano e maldoso. Na verdade, segue o argumento, cometemos um crime porque é nossa obrigação moral salvar a criança mesmo que para isso tenhamos que sacrificar o nosso bem-estar.


Sabemos por várias organizações internacionais, incluindo as Nações Unidas pela voz do seu secretário-geral António Guterres, e por múltiplas Organizações Não-governamentais (ONG), incluindo a insuspeita ONG inglesa Save the Children, que mais de 3.000 crianças foram mortas em Gaza nas primeiras três semanas da invasão israelita, um número superior a todas as crianças mortas em todos os conflitos do mundo desde 2019. Se isto não é um genocídio, o que é um genocídio?


Sabemos, pois, que milhares de crianças estão a ser mortas por uma potência militar de primeira grandeza, possuidora de armas nucleares, mas suscetível de ser forçada pelos seus aliados, nomeadamente os seus aliados da NATO e pelos Estados Unidos, a parar a mortandade de crianças e a aceitar um cessar-fogo.


De acordo com o argumento ético de Peter Singer não o fazer é um crime. É tornarmo-nos cúmplices destas mortes de crianças inocentes, desta matança descontrolada dos seres mais frágeis, mais desprotegidos, dos que mais devemos amar e cuidar.


É preciso agir. Exigir um cessar-fogo. Parar a matança dos inocentes que só tem paralelo no mito, relatado na Bíblia sagrada, do Rei que para matar Jesus Cristo acabado de vir ao mundo com o que seria uma mensagem de esperança, mensagem abraçada mais tarde por grande parte da Humanidade, mandou matar todos os recém-nascidos do seu reino.


É preciso agir mesmo estragando os sapatos ou molhando as calças. Mesmo que isso nos custe a amizade de Israel, mesmo que isso nos cause algum desconforto. Como o fez António Guterres. Portugal tem de levantar a voz, tem de pressionar Israel. É preciso deixar bem claro que o direito de defesa não inclui o direito de praticar uma matança de crianças nem de bombardear populações civis de forma massiva, logo descontrolada.


É preciso um cessar-fogo imediato.


Termino com os versos finais do poema inicial.


E uma infinita tristeza,

uma funda turbação

entra em mim, fica em mim presa.

Cai neve na Natureza

- e cai no meu coração.


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